O piano é também o instrumento, por excelência, do espaço doméstico. A sua presença indica o estatuto social de uma família e o cultivo da arte musical naquele espaço. As aspirações burguesas de diletantismo musical convidam ao estudo do instrumento e à aquisição de repertório destinado a este espaço, que, por si só, estimula o mercado musical e consequentemente a composição; acentua-se a distinção entre repertório de concerto e repertório doméstico, ainda que este último possua vários graus de dificuldade. O instrumento integra também as arts d’agrément, a formação feminina em línguas, piano e canto, a fim de servirem seus pais como óptimas filhas e mais tarde, serem excelentes esposas e mães. Outro instrumento não poderia assumir a utilidade deste: possibilita a interpretação de peças a 2 e 4 mãos e acompanha o canto, outra prática musical apelativa aos pretendentes. Todavia, o piano é o instrumento da prática musical feminina, dadas as convenções instituídas no século XIX: o pudor e a decência restringem a prática de instrumentos de sopro e de arco. Também o usufruto musical e a capacidade composicional restringem-se ao espaço doméstico – a ida aos concertos em espaços públicos encontra-se também condicionada. A música doméstica foi então perdendo a sua força quando à mulher foi concedida a possibilidade de integrar a audiência do concerto público e, mais tarde, se assumir enquanto compositora-intérprete; a aprendizagem foi facultada em instituições de ensino e a aula particular de piano foi substituída pela ida à “Academia”.
Ver texto O piano como instrumento de uma prática musical doméstica por Vera Lopes Inácio
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